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terça-feira, 6 de maio de 2008

ARTIGO DA SEMANA
Publicado no site O Rebate


BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
E-mail:
bzneto@gmail.com

‘Garfo torto’

Semana de 03 a 10/05/08
Contaram-me essa como piada, mas vejo-a no corriqueiro dos nossos dias, onde existem pessoas que só reparam no seu próprio umbigo, botando defeito em tudo o mais que existe fora dele. Numa reunião de trabalho, ou mesmo num colóquio entre amigos, parceiros, colegas, ativistas, essas estão mais para contestar do que para apoiar uma idéia, um ponto de vista qualquer, uma decisão, ou até mesmo qualquer iniciativa que venha beneficiar um grupo de pessoas onde elas mesmas possam está envolvidas. Sempre tomam posição contrária numa deliberação, dizendo ‘não’ a tudo, como se não atinassem que a vida não gira apenas no seu ‘exe mundi’, eixo sobre o qual gira a sua pobre cabeça de palha. Acham que somente elas detêm o dom da verdade e ninguém mais.
No fundo são essas pessoas amáveis, prestativas, mas que se tornam ‘turronas’ quando não se lhes dão brecha onde possam derramar o seu ‘veneno’ de contestação. Tenho um amigo ao qual me escuso de abordá-lo quando diante de pessoas estranhas, porque ele logo vem intermediando controvérsias. Faz apologia à sua própria palavra!... Tenho outro amigo, que prezo muito, um escritor renomado, que não abre a boca sem antes pronunciar um ‘não’, logo de cara: “Não, eu aceito a decisão da maioria!... Não, aprovo sim! Meu voto é ‘sim’!... Acho que é do berço, da índole das pessoas, que vêm essa frieza, essa distração de vida sem mérito e sem razão de ser. É um agir de gente tola, cujo único objetivo é ser notada pelos circunstantes. É um procedimento errôneo que jamais deve ser imitado.Mas vamos à piada: um ilustre e fidalgo homem, de muitas posses, quis comemorar o aniversário de seu casamento com um jantar, e para isso distribuiu convites entre amigos do casal. Por educação, teve que convidar um elemento conhecido de todos como ‘o boca livre’, que não era bem aceito em lugar nenhum, por ‘botar gosto ruim’ em tudo, além de sair falando mal de qualquer ocasião. O fidalgo sabia do risco que iria correr, mesmo assim mandou convidar ‘o coisa ruim’. Destacou dois garçons só para servi-lho. A recomendação era para que não deixassem que nada lhe faltasse: uísque, do bom e do melhor, gelo, o jantar posto. Ficou de ‘olho’ nos garçons para ver se tudo corria bem. À saída dos comensais, esbarrou o impetuoso: - como lhe trataram, amigo? No que obteve como resposta: tudo teria sido ótimo, às mil maravilhas, se o desgraçado do garçom não tivesse me dado um garfo torto!...

terça-feira, 29 de abril de 2008

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
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bzneto@gmail.com

O ‘Buraco da Zefa’

Semana de 26 a 03/05/08

- Quem, dos boêmios e gastrônomos dos ‘dourado anos’ 60 e 70 – e um pouco mais além do que isso – não se lembra do famoso ‘Buraco da Zefa’, no coração do populoso bairro de Ponta Grossa, onde se servia uma caprichada macarronada e galinha a molho pardo? Melhor dizendo, quem desses não se lembra da grande dama da culinária alagoana, cujo dom de cozinhar e fazer amigos era admiravelmente todo dela? Freqüentei por vários anos o “Cantinho da Zefa” (como ela gostava que fosse chamado) e guardo na lembrança o seu jeitão de ser: mulher de sorriso franco; sorriso aberto – como se diz – com seus dois dentes de ouro à mostra e toda de branco, com seu “Axó” de Oxalá, sendo a mais das encantadoras figuras humanas. Acima de tudo, querida da rapaziada do bairro, patrocinadora e promotora de festinhas populares, através das quais conquistava a todos.
‘Buraco da Zefa’, ou ‘Cantinho da Zefa’, não fazia diferença como era chamado, mas era tão famoso quanto o coqueiro torto – Gogó da Ema – que não resistiu às intempéries do tempo e morreu ante dos anos 60; tão famoso quanto os restaurantes e bares ‘Ostras’ (na Levada), ‘Gaivota’ (em Pajuçara); tão famoso quanto o ‘Zinga Bar’, na praia de Riacho Doce. Todos esses eram freqüentados por turistas, políticos, intelectuais, jornalistas, turistas; por famílias maceioenses, boêmios e gastrônomos, servindo de ponto de encontro para os “famintos” freqüentadores das costumeiras noitadas nos clubes sociais, Festa da Mocidade e festas populares, que se realizavam em várias épocas do ano na Praça da Faculdade de Medicina; nos bairros de Bebedouro, Fernão Velho, Pajuçara, entre outros. O que fazia a diferença (e o que faz mais falta hoje) é o tempero que só a Zefa sabia fazer é a camaradagem daquele tempo, onde todos se conheciam pelos nomes. Senti saudade hoje daquela ‘mulher maravilha’ que enchia o peito de orgulho quando era incumbida de organizar uma festa para as danças folclóricas: “este ano vou ganhar novamente o primeiro lugar pela decoração do Arraial de São João”. O que faz mais falta é não tê-la nos afazeres de sua cozinha da famosa casa da Rua Tiradentes, 128, point da intelectualidade alagoana, políticos e jornalistas, esses vindos das redações dos jornais da época (após o fechamento de páginas): Gazeta, Jornal de Hoje, Jornal de Alagoas e Correio de Maceió, lá para além das duas horas da manhã, com certeza de que podiam deixar mais um ‘pendura’. A Zefa aceitava.

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
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O menino-índio

Semana de 19 a 26/04/08
Ah, aquele “endiabradozinho’ e renitente brincalhão não me deixava dormir!... Fazia-me cócegas nos solados dos pés, puxava meus cabelos e ‘aprontava’ o quando podia. De quem estou falando? De um indiozinho, de seus quatro para cinco anos, que já não vivia no nosso mundo; pertencia ao mundo dos mortos. Isso mesmo, dos mortos!... Eu tive esse problema durante a infância. Dos oito aos quatorze anos, por onde andasse me deparava com ‘pessoas’ do mundo dos mortos. Elas vinham a mim com a intenção de pedir algo, qualquer que fosse, geralmente para falar com parentes e amigos, com pedidos para que mandassem rezar missa em seu favor; qualquer coisa assim. E passei a ser assediado, usado, e meus pais não gostavam disse, e muito menos eu. Era olhado como menino problemático, de ‘miolo mole’.
Mamãe ainda dava trela a essa ‘maluquice’, aceitando que algumas pessoas da vizinhança viessem procurar informações sobre seus entes queridos. Esses apareciam simplesmente e falavam comigo para que intermediasse uma fala, conversa ou entendimento com os seus. Mas eu só podia fazer isso raramente, por retraimento dos próprios ‘espíritos’. Foi um período dos mais incomuns que eu tive que passar. A convivência com ‘fantasmas’ deixava-me acabrunhado e com aspecto doentio. Tinha pesadelos horendos; caía da cama constantemente. Para que pudesse dormir mais sossegado, meu pai mandou fazer uma cama especial, com grades dos lados. Nela me deitava segurando o dedão do pé de meu irmão, Bibi, que, ao senti-lo puxado, me acordava. Dormíamos virados ao contrário, juntando pés com cabeça.Mas eu não podia dormir um sono tranqüilo, porque logo me sentia importunado pelos novos ‘amigos’. Minha mãe inventou de chamar algumas amigas para fazer um tipo de ‘vigília’; elas contavam estórias de Troncoso, enquanto eu me esparramava no chão de esteira. Meu “amiguinho” aparecia mais pela manhã ou no horário da tarde. Hoje, no dia consagrado ao Índio, lembrei-me pela primeira vez com ternura daquele que me ‘infernizava’ a vida com suas torturas por cócegas, ih, ih, ih!... É possível até mesmo que tenha reencarnado e me deixado em paz. E, se reencarnou, veio na forma de minha sobrinha Eliane, filho do Bibi, hoje casada e mãe de filhos. Durante um período de três meses que passei em Arapiraca, todas as vezes que me aprontava para dormir, ela chegava pequenininha e graciosa, e se aboletava dos meus pés, não me deixando tirar uma soneca. Não havia quem a demovesse dali!...

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
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“Mestre Touca”

Semana de 12 a 19/04/08
Era exímio fogueteiro, que fabricava fogos de artifícios para os festejos de fim de ano, comícios e também reconhecido mestre de Guerreiro, vindo de Viçosa para Arapiraca. Chegou com a idéia de formar um grupo de ‘figurais’ e montar uma brincadeira, juntando-a ao naipe dos pastoris, cheganças, quilombos, dançadores do coco de roda e outras que são próprias dos autos natalinos da zona rural. O guerreiro, genuinamente alagoano, surgiu na década de 20 do século XX, formado por grupos de cantores e dançadores acompanhados de uma sanfona, tambor, pandeiros, uma clarineta, às vezes de rabeca e reco-reco. Para estudiosos do folclore nordestino se trata de um reisado moderno. Touca, então, formou seu grupo de ‘figurais’ que, arregimentados, se deram a fazer testes e comprovar sua aptidão para a função de dançar esse folguedo.
E o mestre começou à prática dos ensaios num terreiro de chão batido da Rua Boa Vista, que previamente preparou para montar o auto. Os que passassem nos testes iam logo para as naturais medidas dos trajes, dos chapéus de muito brilho de espelhos e lantejoulas, das ‘coroas’ e tiaras de rainhas e reis; das indumentárias de representação do ‘Índio Peri’, do Mestre e contra-Mestres, da ‘Lira’, de Mateus e palhaços, menos do ‘Catolé” – figura excêntrica e extrovertida, que se fazia aparecer revestida de grossa e peluda camada de ‘fios” retirados das palhas de coqueiro. A apresentação do ‘catolé’ fazia divertir a criançada e também os adultos. O guerreiro do mestre Touca estava pronto para se apresentar ao público. Para assistir ao ensaio geral, foram convidadas as mais destacadas pessoas do lugar. Os tocadores entraram e os “dançarinos” já marcavam seus passos característicos da dança guerreira na pista aguada para não levantar poeira. O ‘Boi’ fazia piruetas, os palhaços tentando derrubá-lo pelo ramo, fazendo-o rodopiar como numa corrida de mourão. Tudo perfeito!... Aplausos e mais aplausos. Mas havia algo errado: no meio das palmas surgiram vaias e risadas incômodas. Touca logo se apercebeu do que se tratava: “Catolé’ estava com as ‘coisas’ do lado de fora e não se dera conta do ridículo. Cantando e dançando, para disfarçar, foi até ele. No ritmo, despachou: Tum , Tum, Tum: “Feche a braguilha, ‘Catolé’!... Tum, Tum, Tum, “Feche a braguilha, ‘Catolé’!... E, com o figural não ligava, pensando que estava mesmo ‘abafando’, o mestre resolveu acabar com a sua alegria: deu-lhe um soco certeiro no pau da venta, depois bradou: “feche essa braguilha, ‘fio da peste’!!!...

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
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“Os selvagens do Coruripe”


Semana de 05 a 12/04/08
Este era o título de um panfleto escrito pelo hoje consagrado escritor e teatrólogo Pedro Onofre, quando ainda era menino, na cidade de Arapiraca. Pedro “Carioca”, como era chamado, por ter vindo do Rio de Janeiro para a “Terra do Fumo”, jogava de goleiro no time do Alto do Cruzeiro, lá pelo final dos anos 50. Era bom goleiro. Certa feita, seu time foi jogar na cidade de Coruripe, venceu a partida por largo escore, mas apanhou no “cacete”; foram cacetadas as tantas sobre as cabeças dos jogadores e dos que os acompanhavam; uma briga feia onde se envolveram todos que estavam no campo de futebol. Os de Arapiraca tiveram que sair às pressas para não “morrer no pau”. Ao chegar em casa, “amassado”, denegrido e com muita raiva, o “Carioca”não contou conversa: pegou a pena e escreveu “Os selvagens do Coruripe, boletim no qual contou toda a infeliz saga daquele domingo, metendo a “lenha” naquele povo.
Com o boletim da lamentável ocorrência debaixo do braço, a “turma” de Pedro, inflamada, distribuía-o entre os feirantes do município que vinham para a Feira de Arapiraca, na segunda. Parava os caminhões de feirantes e distribuía o boletim. Não só distribuía como cobriam de “pau” aqueles que eram reconhecidos como “selvagens”. Coisa dos tempos da juventude; dos tempos que não voltam mais... Outro dia, percorríamos – eu e Pedro Onofre - as zonas de praias de Alagoas fazendo cobertura jornalística para uma grande revista de projeção nacional, quando tivemos que entrar em Coruripe. É lá onde se encontram as mais belas praias, que não poderiam ficar de fora da matéria. Pedro não queria entrar na cidade, com receio de retaliações. – Ora, Pedro, isso já faz muito tempo. Com certeza, ninguém se lembrará mai do acontecido, argumentei. Viajávamos num “jipão” cedido com motorista pela Polícia Militar de Alagoas. Entramos na cidade e, logo passada a primeira curva, paramos em frente a uma casa de sinuca. Pedro, já gordo, só podia ir no bando da frente. Logo foi reconhecido. De dentro da casa, um sujeito apareceu com o taco na mão e gritou: “Os selvagens do Coruripe”!!! Estávamos “fritos”. Lembrei-me logo do Bispo Sardinha, devorado pelos Caetés. Pedro desceu do carro, vermelho que só uma brasa. Quando demos conta, mais de 10 cururipenses estavam rodeados, de tacos em punho. Seguravam-no pela ponteira, de cabo virado. “Praça de guerra”, e o “praça” que dirigia o carro, pulou logo fora, saindo de fininho... Um dos “selvagens” eu o conhecia. Era Aécio Chanchão, lá chamado de “coronel Canchão, corredor de vaquejada. Tudo não passou de brincadeira, e entramos na cachaça durante três dias.

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor

Uma jaca como almoço


No Natal de 1978, estávamos ‘lisos’, eu e Sabino Romariz, grande radialista, que depois se tornaria no maior líder de audiência, com seu programa “A Vez do Povo na TV (pela TV Alagoas); foi deputado, com a maior votação de todos os tempos; depois, ainda, nome de expressão da Rádio Nacional de Brasília. Mas estávamos os dois desempregados naquele momento. Sabino, demissionário da Rádio Gazeta (da Rua do Comércio) e eu acabara de deixar um empreendimento cinematográfico que não dera certo (naquela época, além do jornalismo tinha “cabeça inchada” pela Sétima Arte). Do desarrolho, sobrou-me um bom equipamento cinematográfico, que se prestava muito bem ao serviço de reportagens para a TV. Era só filmar com filme reversível de 16 milímetros e colocar no tele-cine para rodar.
Era como as emissoras de TV se saiam, pois não conheciam ainda a câmera filmadora e o “vídeo - tape”, muito menos as filmadoras digitais de hoje. Bom. Aí, tivemos uma idéia salvadora, eu e meu compadre Romariz: saímos para produzir uma série de mensagens, que seriam gravadas com a participação de prefeitos em suas saudações ao futuro governador Guilherme Palmeira, cuja posse estava marcada para o dia 15 de março do ano seguinte. Quase ficamos ricos. Tivemos um Natal “gordo” e, até o dia da posse, não ia faltar trabalho. O carro usado pela “equipe de filmagem” era de Sabino, um Chevrolet com mais de 20 anos de uso, que nem piso no lugar do passageiro tinha. Tive que abrir as pernas, apoiando-as nas partes das ferragens internas, o que não evitava a onda de poeira e lama vinda de baixo.
Velocidade máxima: 60 Km. Nesse esforço, chegamos à Chã do Pilar por volta do meio dia, lisos e com fome. Observando as jaqueiras frutíferas à margem da estrada, fomos até elas. Com os minguados trocados do bolso, compramos uma doce, enorme e apetitosa jaca. Sentamos-nos ao pé da frondosa jaqueira e a almoçamos. Daí a 20 minutos, entravamos bem alimentados na cidade de Junqueiro, depois de São Miguel. O prefeito João José nos recebeu bem na hora de seu almoço. Quis que almoçássemos com ele e não aceitou a desculpa de que já tínhamos “almoçado”. Mesa farta de tudo: carne de sol, de bode, de porco, de veado, de pato e galinha a cabidela; feijão tropeiro e mulatinho; torresmo, a mesa repleta de tudo; tudo do bom e do melhor. – E, como podíamos nos banquetear, se estávamos de barriga cheia?...

terça-feira, 25 de março de 2008

ARTIGO DA SEMANA
Semana de 22 a 29/03/2008
Publicado no Jonal O Rebate

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor

A matraca e o matraqueador

A matraca, era a única coisa barulhenta que se podia ouvir durante o dia de Sexta-Feira da Paixão de minha meninice, lá pelos anos 56/57. Instrumento rude feito de madeira, formado por tabuinhas dos dois lados, pregadas por dobradiças, promovia um som um tanto quanto estridente, dado ao manejo e movimento de bate-bate nas mãos do matraqueador; som este característico do chocalho, que invadia as ruas da cidade para anunciar a programação da Igreja. E, quando reunia o matraqueador um grupo de pessoas, proclamava: “hoje, logo mais ás 16 horas, sairá da Igreja Matriz a procissão de Nosso Senhor Morto; todos devem comparecer. Depois disso, seguia na sua maratona anunciadora. A matraca substituía o toque de sino, que não dobrava na Semana Santa, principalmente na Sesta-feira da Paixão.

Nada, além da matraca podia provocar ruídos neste dia solene para lembrar a passagem do suplício de Jesus Cristo no Monte Calvário. Nem mesmo podia-se falar em voz alta, rir, gargalhar, ou consentir em brincadeiras fúteis que pudessem macular aquele momento de dor e de tristeza. Ninguém comprava ou vendia. Bebia-se apenas uma taça de vinho após o jejum que se fazia em obediência às normas cristãs, onde até água era proibido beber. Ninguém andava de automóvel, de bicicleta ou a cavalo. Durante toda Semana Santa, não se podia montar no lombo de um jumento, pois Jesus entrou em Jerusalém assim, montando num desses animais. Constituía-se pegado pentear o cabelo, fazer a barba ou tomar banho. Ninguém podia comer carne de espécie alguma. À mesa: bacalhau, peixe, feijão, arroz branco, tudo ensopado no coco; bredo e umbuzada.
Os afilhados podiam dar presentes a seus padrinhos, e vice versa, não se sabendo bem o porquê disso. Lembro-me de vexame passado por meu pai, quando bateram à nossa porta numa sexta feira da Paixão. Era um inesperado de seus compadres, vindo lá dos Caititus (sítio um tanto afastado da cidade). O homem trazia seu filho de oito para nove anos e um peru gordo, este debaixo do braço, que logo repassou ao garoto para dá-lo de presente a seu padrinho. O diálogo entre os presentes foi curto e grosso: bom dia, compadre! Bom dia! Este é seu afilhado, que veio para ser abençoado... Deus te abençoe, filho! Ô, compadre, não me lembrei de comprar nada para o garoto, e hoje não tenho como fazê-lo, pois todas as lojas estão fechadas. O homem, abruptamente, retirou o peru, que já estava nas mãos do agraciado. Tem nada não compadre!... Na segunda-feira voltaremos com o seu presente! E partiram os dois sem queixumes. Coisas da Semana Santa.