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sábado, 22 de dezembro de 2007

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
E-mail:
bzneto@gmail.com

“ O Gado”

Semana de 15 a 22/12/2007
O gado mugiu a noite inteira, quando seu dono morreu. Foi um lamento de fazer dó e causar espanto. Toda a vizinhança se inquietou, procurando saber o que estava acontecendo; o por quê de todo aquele murmúrio no meio dos animais.
- Será que o “coronel” Luiz Pereira Lima passou deste para o outro mundo? Se foi, que Deus o tenha! – disse alguém.
Pela manhã cedinho, soube-se de tudo: o chefe-político mais respeito da região tinha mesmo morrido naquela noite. Arapiraca, lugar onde ele exercia maior influência, estava agora chorando o seu caudilho; aquele era o mandante de tudo. Seus aliados, entristecidas, lamentavam a “perda irreparável do amigo do povo”.
Meu pai, embora tivesse sido perseguido pela política do “poderoso chefão”, na sua inabalável fé cristã, arrumou-se para acompanhar ao enterro. Não me comovi ao tanto, talvez porque minha família sofreu muito, depois de um rompimento político havido entre os dois. Intimamente, até censurei aquele seu gesto, livre de qualquer ranço contra o homem que o colocou na falência; achava que meu “velho” até devia dar-se por satisfeito, vingado, pelo que sofrera por causa da desavença que teve com o chefe-político. Naquela época. Era apenas um rapazola revoltado. Também pudera! Vi minha família cair em desgraça econômica e financeira, e tudo por culpa do “coronel” Luiz Pereira Lima. Dei de mão de uma espingarda velha de meu pai e sai para caçar codorniz, levando comigo o cão de caça Pery, bom de caça e bom amigo (literalmente, era o meu melhor amigo). Não queria pensar em mais nada.
Naquele dia e nos dois subseqüentes, não haveria aula no colégio, por causa do luto oficial decretado pela Câmara de Vereadores. Entramos no mato e logo o cachorro ‘levantou’ uma codorniz em vôo rasteiro. Fiz pontaria, e atirei: peeeiii! A ave caiu. O “peneiro” cobriu uma moita. Mas, quando me agacho para apanhá-la, veio o espanto: ela arrancou vôo em meio ao folharal vindo pra cima de mim, caindo em seguida noutro lugar de folhas. Novamente, preparei a espingarda. E disparei outro tiro: peeeiii! Novo “peneiro”, e nada; ela continuava vivinha da silva. - Que diacho?! Só tinha levado dois cartuchos!... Lembrei-me do morto e sai correndo por entre macambiras, xiquexiques, urtigas, tomando rumo diferente ao de casa. Perdi-me no mato, com cachorro e tudo!

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