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sábado, 22 de dezembro de 2007

BEZERRA NETO
Jornalista e escritor
E-mail:
bzneto@gmail.com
O sanhaço

Semana de 08 a 15/12 / 2007
Meu avô trabalhava para a estrada de ferro (Rede Ferroviária) e estava em Palmeira dos Índios. Nossa família morava em Arapiraca, naquela época, quase um dia de viagem entre uma cidade e a outra. Eu era muito apegado a ele (tínhamos, inclusive, o mesmo nome). Chamava-o de “padrinho”, por ser seu afilhado, e não de “vovô”, como meus irmãos. Um dia, quando baleei um sanhaçu (ou sanhaço) que estava no mamoeiro do quintal de casa – delimitado por uma cerca de madeira, como todas dali eram – ele prontamente recriminou o meu procedimento, dizendo que devia me envergonhar de ter praticado aquela maldade contra um bichinho indefeso, ‘uma criaturinha de Deus’, uma avizinha tão mansa... Ralhou comigo como nunca havia feito!E não me deu tempo nem para choramingar por causa do “refrega”. Senti-me realmente envergonhado do que fiz, principalmente porque fui censurado justamente pela pessoa que mais amava neste mundo. Ordenou-me que fosse correndo apanhar linha e alguns palitos de bambu para que ele pudesse encanar a perninha do pássaro azul, dos que costumeiramente vinha comer mamão. Mas do que depressa, apanhei o retrós de linha da máquina de costura de minha mãe e, como havia muitas talas de bambu espalhadas pelo chão da casa vizinha, que fazia “pau-de-picolé” para as sorveterias da cidade,. apanhei uns e voltei a encontrar com meu avô, no lugar em que o deixei, acocorado sobre os calcanhares e fumando seu cigarro de palha. Ele segurava o bichinho, acariciando-o e até conversando com este, enquanto o sanhaçu macho esgoelava-se em pios graves, sobrevoando raso por sobre a sua cabeça no maior desespero. – “Tadinho!... Pera aí que eu já vou lhe devolver a seu mundo e ao maridinho que está agoniado e enfezado. Pronto, agora está tudo bem!... Voe! Voe!.” Estas foram as últimas palavras que ouvi de meu avô... Minha mão, sua ilha única, quando contei-lhe sobre o acontecido chorou muito. Mandou chamar papai no trabalho (ele tinha pedreiras e vendia pedras para várias prefeituras da redondeza) e os dois seguiram imediatamente para Palmeira dos Índios, onde se encontrava meu avô e padrinho. Ele estava morrendo...

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